Passages de Paris

  Revue Scientifique de l'Association des Chercheurs et Etudiants Brésiliens en France

Numéro 2—2005
ISSN 1773-0341


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Entrevista com o Professor Roberto Aureliano Salmeron

Arquivo para impressão

O Professor Roberto Salmeron foi, entre outras coisas, o primeiro Diretor do Instituto de Física da Universidade de Brasília, pesquisador em raios cósmicos do CERN (Suiça), professor da Ecole Polytechnique, além de consultor para o Prêmio Nobel de Física. Para além dos atributos do cientista, os entrevistadores de Passages de Paris querem consignar a profunda impressão que nos deixou por sua estatura humana.

Passages de Paris – Qual a sua relação anterior com a APEB ? Fale-nos um pouco do seu contato com a associação.

Professor Roberto Salmeron – No passado, estive em relação bastante próxima com a APEB. Havia reuniões muito concorridas na Maison du Brésil, na Cité. Convidavam-me freqüentemente para dar palestras ou trocar idéias. Havia nessa época um presidente, que era médico e muito ativo ; trabalhava no Collège de France e as reuniões da APEB às vezes ocorriam lá. Mantive esse contato por muito anos. Depois que mudou a direção, meu contato foi diminuindo e nos últimos anos não havia mais nenhum. No começo, porém, colaborei bastante, pois considero-a uma instituição muito importante para manter os estudantes aqui reunidos e trocar idéias.

Passages de Paris – Esse ano faleceu o professor César Lattes, com quem o senhor já trabalhou. Como foi sua relação com ele ?

Professor Roberto Salmeron - O Lattes era muito amigo meu. Teve um papel extremamente importante na divulgação da física do Brasil. Quando era bem jovem, participou de um trabalho de grande importância na Inglaterra, na Universidade de Brístol, quando foi feita a descoberta da partícula meson pi. O Lattes participou dessa descoberta, que lhe trouxe grande prestígio. Muito jovem ainda, voltou ao Brasil e fundou o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro, que ainda hoje é um dos bons laboratórios de física brasileiros. No Brasil, não chegou a fazer nenhum trabalho da mesma importância, mas somente sua presença já era estimulante. O fato de ter voltado ao Brasil e fundado esse laboratório, com muito idealismo, estimulou os jovens a serem físicos. De maneira que o papel do Lattes foi extremamente importante para a evolução da física no Brasil. Conhecemo-nos quando éramos muito jovens. Eu era aluno da Politécnica, em São Paulo e ele de Física, na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Fazíamos serviço militar no CPOR, foi lá que nos conhecemos. Ele fazia a arma de artilharia e eu, engenharia militar. O irmão dele, Davi, era meu colega na Escola Politécnica, onde formei-me engenheiro mecânico-eletricista. Quando Lattes fundou o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, eu trabalhava na USP ; trabalhava em dois lugares : na Escola Politécnica, era assistente de Física junto ao excelente professor Luís Cintra do Prado e estava começando a fazer pesquisa na Faculdade de Filosofia com o professor Gleb Wataghin, que foi o pai da física brasileira. O professor Wataghin voltou para a Itália, porque sua esposa queria viver lá os últimos anos. Trabalhou 16 anos na USP. O setor de raios cósmicos, que comecei a desenvolver com o professor Wataghin, ficou então sem orientação na USP. Quando o Lattes fundou o CBPF, convidou-me para ir ao Rio de Janeiro e aceitei ; fui um dos fundadores do Centro no Rio de Janeiro, porque lá podia trabalhar com raios cósmicos. Mas, voltando ao Lattes, a física brasileira realmente deve-lhe muito.

Passages de Paris – Existe até uma polêmica, se ele deveria ter ganho o prêmio Nobel por esse trabalho sobre os raios cósmicos…

Professor Roberto Salmeron – Vou falar com toda honestidade científica, há uma certa confusão… como vocês acabaram de ver, faço toda justiça ao trabalho e talento do Lattes e a suas iniciativas. Porém em física, como em todas as ciências experimentais, química, biologia, há certas técnicas fundamentais que abrem caminhos inteiramentes novos. Naquela época, na Inglaterra, na Universidade de Brístol, havia um grande físico chamado Cecil Powell, que estava desenvolvendo, para o estudo de física nuclear, uma técnica de emulsões. No filme para fotografia, a parte sensível para emulsão nuclear é muito delgada, de frações de milímetros. A idéia era fazer essa placa mais espessa, de vários milímetros e mesmo centímetros, de maneira que uma partícula, uma carga elétrica, ao atravessá-la, deixasse um rastro ; a partícula arranca os elétrons dos átomos e, quando a placa é revelada, como qualquer chapa fotográfica, vê-se o traço de sua trajetória. O Powell estava trabalhando nisso há muitos anos, desde antes da segunda guerra mundial, em 1939. Durante esta, interrompeu o trabalho, porque muitos cientistas participavam do esforço de guerra. Estava desenvolvendo essa técnica junto com uma fábrica de filmes de uma cidadezinha perto de Brístol. Havia lá um técnico genial chamado Walker, que trabalhava com o Powell. Havia também um físico ialiano, Giuseppe Occhialini - vocês já devem ter ouvido falar, porque o trabalho do meson pi foi realizado pelo três: Lattes, Occhialini e Powell… Occhialini foi professor do Lattes em São Paulo. Quando terminou a guerra, Occhialini escreveu a seu grande amigo, o físico inglês Blackett, que orientou minha tese na Universidade de Manchester, com quem desejava voltar a trabalhar. Blackett era um grande cientista e um grande homem ; respondeu que, se Occhialini quisesse trabalhar na Inglaterra, seria melhor fazê-lo com Powell, que estava conduzindo o mais importante trabalho de física nesse país, precisamente o desenvolvimento da técnica de emulsões nucleares. Occhialini seguiu o conselho de Blackett e, mais tarde, chamou o Lattes para trabalhar com ele em Brístol. A equipe era enorme, 10 a 15 jovens. Trabalhando com a técnica de emulsões nucleares, foi descoberta por acaso essa partícula. Então vejam, por que estou contando essa historia ? A coisa mais importante não é a descoberta do meson pi e sim o desenvolvimento da técnica de emulsões nucleares. Com essa técnica, foram descobertos o pi e dezenas de outras partículas. O Powell ganhou o prêmio Nobel, não por causa da descoberta do pi, mas pelo desenvolvimento da técnica de emulsões nucleares. Várias vezes, o comitê do prêmio Nobel recompensou cientistas que desenvolveram novas tecnologias. Então, é um erro pensar que o prêmio Nobel foi dado pela descoberta do pi, ele o foi pela descoberta e desenvolvimento da técnica de emulsões nucleares.

Passages de Paris – O senhor também já fez parte do comitê do prêmio Nobel ?

Professor Roberto Salmeron – Não. Esse comitê é formado quase que exclusivamente por cientistas da Universidade de Estocolmo. Existem comitês Nobel para física, química, medicina, biologia, paz, literatura. O comitê Nobel para a Paz é situado em Oslo, na Noruega. Nobel já deixou isso definido em seu testamento. Existem então vários comitês, que pedem sugestões a cientistas ou pessoas da área em todo mundo. Durante 5 anos, fui consultado para fazer sugestões sobre quem deviam considerar para a atribuição do prêmio Nobel. Trabalhei esse tempo como conselheiro e uma vez o meu indicado recebeu o prêmio Nobel. Mas não vou dizer quem é…

Passages de Paris – Vamos falar um pouco de sua história e participação na criação da UnB.

Professor Roberto Salmeron – Fui fazer doutorado na Universidade de Manchester. Meu orientador foi exatamente o Patrick Blackett, que também ganhou o prêmio Nobel de física. Era o maior especialista em raios cósmicos, naquela época. Seu laboratório em Manchester era o mais importante do mundo. Quando trabalhava com o professor Wataghin, conheci os trabalhos produzidos em Manchester e concluí que era lá que desejava trabalhar. Eu mesmo fiz a escolha, nunca ninguém me orientou sobre onde deveria ir. Escrevi uma carta para o professor Blackett, dizendo « sou um jovem físico brasileiro e gostaria de trabalhar no seu laboratório ». Umas 3 semanas depois, recebi uma resposta. Quando terminei a minha tese, tinha sido criado em Genebra um laboratório chamado CERN (Centre Européen de Recherche Nucléaire). O professor Blackett era membro do conselho do CERN e sugeriu à direção que me contratassem. Ia voltar para o Brasil, já estava fazendo as malas com a minha mulher - tínhamos um filho -, quando houve esse convite. Como estudante estrangeiro, nem sabia o que era o CERN. Blackett precisou explicar-me o que era, quais as perspectivas, porque eu trabalhava com raios cósmicos num grupo inglês que fazia experiências na Suiça, nos Alpes suiços. E o professor Blackett disse : « quando você for à Suiça na próxima vez, vou telefonar ao diretor do CERN e este vai recebê-lo ». Imagine, o CERN estava começando e o diretor podia receber um estudante ! Era uma situação excepcional. Então, conheci o laboratório desde o início e como foi organizado. Fiquei l­á com contrato permanente. Poderia ter me aposentado no CERN. Mas depois de oito anos e meio em Genebra, decidi ir para a Universidade de Brasília, com a qual já então colaborava enquanto conselheiro em física. Pouca gente sabe que o pai da UnB foi o Anísio Teixeira, o maior educador que o Brasil já teve. Este estruturou a universidade, baseado em suas experiências anteriores. Sugeriu que ela tivesse conselheiros em todos os ramos e que estes definissem como a universidade deveria ser, ao invés de querer organizar tudo de antemão e depois convidar as pessoas para trabalharem. Depois de viagens ao Rio e muito intercâmbio, além de ter discutido bastante com minha mulher, decidimos ir para Brasília. Apesar de ter passado mais de metade da minha vida na Europa, não queríamos passar o resto dela fora do Brasil. Quando trabalhei no CERN, sabia que não iria ficar lá para sempre. Queria voltar ao Brasil. Quando apareceu essa oportunidade, fui a Brasília como um dos fundadores da universidade. Fui o primeiro físico e primeiro diretor do Instituto de Física.

Passages de Paris – Em que ano foi isso ?

Professor Roberto Salmeron – Chegamos em 1963 e comecei a trabalhar na universidade no dia 2 de Janeiro de 1964. O reitor Anísio Teixeira era uma grande personalidade, realmente extraordinária. Tive a chance de discutir com ele todos os dias. A universidade estava começando e ficávamos horas conversando. Uma experiência muito bonita. Depois de um mês, propôs ao conselho diretor da Universidade de Brasília que me nomeasse coordenador de todos os institutos de ciências, um passo para a fundação da escola de engenharia. Ao mesmo tempo que dirigia o Instituto de Física, era coordenador dos institutos de física, química, matemática, biologia, geociências. Foi uma atividade muito bonita, tive contato com pessoas extraordinárias.

Passages de Paris – Em 1964, houve o golpe militar. O que mudou na Universidade ?

Professor Roberto Salmeron – O golpe militar deu-se no dia 31 de março de 64. Estava trabalhando há três meses. No dia do golpe mesmo, encontrava-me em Genebra, para redigir os artigos sobre as últimas experiências nas quais tinha participado. Lá tive a notícia do golpe. Minha mulher e nosso filho estavam no Brasil, em São Paulo, com nossa família. Apesar disso, voltei para a Universidade. Pouca gente sabe que, na época do golpe, nós, os professores, pensamos em sair da Universidade de Brasília. Achávamos que com o governo militar ia ser muito difícil. Depois, refletindo bem, pensamos que a educação era importante… e que o governo militar ia terminar em dias. Decidimos continuar trabalhando. Com o golpe militar, o Anísio Teixeira foi deposto da reitoria e substituído, pelos militares, por um professor da Universidade de São Paulo, da Faculdade de Medicina Veterinária, chamado Zeferino Vaz. Não consultaram ninguém na Universidade, foi posto lá como interventor. Zeferino Vaz era um homem inteligente; dizia mesmo que participara “desassombradamente” do golpe de estado, junto com seu amigo Ademar de Barros, governador de São Paulo. Recomeçamos a trabalhar, como se a situação fosse normal. Havia um entusiasmo na UNB, naquele período, que nunca vi em lugar nenhum. Trabalhei em vários paises e instituições, mas nunca vi um entusiasmo como aquele, da parte de docentes, funcionários, estudantes… Estes estudavam todo tempo, em situações muito precárias: a universidade estava no início e a verba era muito reduzida. Até dava pena das condições dos estudantes, mas nunca se cansavam. O Zeferino Vaz, que assumira como interventor, dizia isso quando queria comportar-se como professor universitário. E, na verdade, comportava-se como tal ; mas, quando havia alguma dificuldade, seguia as ordens dos militares. As dificuldades foram surgindo e os docentes e estudantes foram perdendo a confiança nele. Nós, docentes, nunca pensamos que ele teria um comportamento 100% normal. Sua situação tornou-se difícil e foi então substitu­ído, pelos militares, por Laerte Ramos de Carvalho, do Instituto de Educação da USP. O Laerte de Carvalho foi catastrófico. Era um homem incapaz de dialogar, trocar idéias e queria usar de autoridade. Para dar uma idéia de sua incapacidade, assumiu a reitoria e não conversou antes com nenhum de nós. Não foi informar-se sobre a universidade, nem com o pessoal de ciências humanas, artes, letras, nada. Um fato característico : como não nos procurou, conversei com um colega e disse : « se o reitor não nos procura, vamos procurá-lo ». Fui então dizer ao reitor que os 14 diretores de departamentos queríamos conversar com ele. Não nos convidou para ir à Reitoria, que tinha uma sala de reuniões especial. A reunião foi feita no meu escritório, que era pequeno, dava para 15 pessoas muito mal acomodadas. Cada coordenador explicou durante 10 minutos o que se passava no seu departamento ou instituto. Todos falaram e o reitor não fez nenhuma pergunta. Quando a última pessoa terminou de falar, ficamos esperando alguma reação sua. Ele disse : « agradeço aos senhores pela exposição, mas quero dizer-lhes que vim aqui para servir ao governo ». Esse foi o primeiro contato. Esse era o ambiente durante o regime militar. Esse reitor era tão incapaz, que as divergências foram aumentado com os professores e estudantes. Num certo dia, os estudantes entraram em greve. Tentamos dissuadi-los. Houve uma reação do reitor contra os estudantes e ameaça de demissão dos professores. Em sinal de protesto, os professores fizeram uma greve de 4 horas, no sábado de manha. Todos fomos trabalhar, não demos aula, mas estávamos presentes. No domingo, o reitor mandou uma carta ao general comandante do Batalhão de Segurança Pública de Brasília pedindo para invadir a Universidade. No domingo à noite, as tropas de segurança de Brasília invadiram a universidade. Na segunda de manhã, não podíamos entrar, os soldados barravam nossa entrada na universidade. Podem imaginar o clima !? Nós, os coordenadores, não podíamos nos reunir na universidade para trocar idéias, com o campus tomado por tropas. Reuníamo-nos na casa de um professor ou de outro, como no meu apartamento em Brasília. O reitor não nos procurava, não tinha nenhum contato conosco, mas, como acontece muito, alguns jornalistas, nossos amigos, telefonavam para dizer « olha, o reitor está em reunião secreta com o SNI ». Um dia, soubemos assim que o reitor fizera uma lista de quinze professores a serem demitidos. Aí aconteceu uma coisa muito interessante. Estávamos unidos e cada um de nós já tinha pensado que, se alguém fosse demitido, iríamos pedir a nossa própria demissão. Porque não teríamos mais uma coerência moral para continuar ensinando numa universidade. Como é que você pode admitir que seu colega, no departamento da porta ao lado, vá preso, seu estudante vá preso e você sem fazer nada, trabalhando como se nada tivesse acontecido ? Cada um dos coordenadores tinha pensado nisso, mas sem dizer aos outros. Cada um de nós escreveu uma carta de demissão. Decidimos enviá-la somente se alguém fosse demitido. A notícia foi se espalhando na cidade como pólvora, todo mundo soube que iríamos pedir demissão se alguém fosse demitido. Não pedimos a ninguém para se demitir, mas 223 professores o fizeram. Houve inclusive casos de professores com famílias, numa situação de tanta necessidade que fui pedir que não se demitissem. Vários não o fizeram porque pedimos. Realmente, 15 professores foram demitidos. Um jornalista ligou para dizer que o reitor tinha enviado aos jornais o nome dos 15. Enviamos então aos jornais nossas cartas de demissão. Uma cópia aos jornais e outra ao reitor. No dia seguinte, os quotidianos publicaram a nota do reitor demitindo os 15 professores e as nossas cartas de demissão. Foi impressionante. Conto isso em detalhe num livro que se chama « A universidade interrompida : Brasília 1964-1965 », publicado pela editora da UnB e atualmente esgotado, mas que terá talvez uma segunda edição (VER DISCURSO NA UnB PUBLICADO NESTE NÚMERO DE PASSAGES DE PARIS). Um detalhe : o reitor Carvalho assumiu a universidade em setembro de 65 e pediu às tropas para invadirem a universidade no dia 18 de outubro, seis semanas depois. É o unico caso que conheço de um reitor que pede tropas para invadir a sua própria universidade.

Passages de Paris – Como foi sua saída do Brasil ?

Professor Roberto Salmeron - Como já disse, minha mulher e eu não queríamos morar fora do Brasil. Gostamos imensamente do Brasil e temos amigos lá por toda parte. Depois da minha demissão da Universidade de Brasília, fiquei sem emprego. As pessoas das outras universidades tinham medo de dar-me um emprego. Por exemplo, tinha-me inscrito para um concurso a ser aberto no Rio de Janeiro, na Faculdade de Ciências e Letras da Universidade do Brasil, atual UFRJ, por iniciativa de um amigo, que pensava trazer-me ao Rio se eu vencesse o concurso. A organização recusou : « enquanto não soubermos exatamente qual foi o papel do Salmeron no que aconteceu em Brasília, não podemos correr o risco ». E o concurso não foi aberto. Aqui na Europa, os jornais publicavam o que estava acontecendo na UnB. Meus amigos do CERN estavam a par, inclusive um engenheiro eletrônico que trabalhava comigo em Brasília, ajudando a montar um laboratório. Quando estourou essa crise, voltou a Genebra e contou tudo ao diretor, um grande físico chamado Victor Weisskopf. Este enviou-me um contrato para voltar ao CERN. Fiquei com esse contrato dois meses e não queria voltar. Um dia, Weisskopf telefonou para minha casa em Brasília : « queria saber se você mesmo responderia ao telefone. Não tome nenhuma atitude sem entrar em contato comigo antes ». Depois de uns 15 dias, recebo através da embaixada da França, pela mala diplomática, uma carta com um convite para voltar ao CERN e o contrato já assinado. Ainda fiquei com isso na mão durante 5 meses. Finalmente decidi voltar, porque se ficasse no Brasil iria mudar de profissão e trabalhar como engenheiro. Essa volta para Genebra psicologicamente foi terrível para mim, como vocês podem imaginar. Aos poucos, fui retomando a vida de pesquisa e um ano e meio depois, em 67, recebi um convite para vir à Ecole Polytechnique, aqui em Paris. Junto com a minha mulher, pensamos muito na educação dos filhos. Para eles, serem educados em Paris seria uma abertura enorme. Um lugar com tanto movimento intelectual, científico, artístico, político, sociológico... Isso foi decisivo para virmos a Paris.

Passages de Paris – Aliás, o nome de nossa revista é Passages de Paris, em homenagem ao Walter Benjamim...

Professor Roberto Salmeron – Bonito nome.

Passages de Paris – … um ponto importante para nós é justamente que possa falar-nos dessa experiência de estar em Paris.

Professor Roberto Salmeron – Não lamentamos ter educado os filhos aqui. Agora, é engraçado, são muito ligados ao Brasil e o mais velho, quando estava se formando aqui na universidade, queria voltar ao Brasil. Mas era a época em que a ditadura ainda estava muito forte… em 79, 80. Todos os anos, tirava férias no Brasil, com a família e amigos que tinham ficado lá. Percebemos que seria muito difícil para eles se readaptarem em plena ditadura. Então os filhos permaneceram todos aqui.

Passages de Paris – Houve uma profecia sua que se realizou : que a ditadura duraria 20 anos.

Professor Roberto Salmeron – Exatamente. Tive muito contato com os militares, procuravam-me às vezes. De minha parte, dizia aos colegas : « vamos falar com os militares sobre a universidade ». Inclusive, tivemos uma entrevista com o Golbery do Couto e Silva, que era o principal intelectual do golpe de estado. Percebi que estavam tão fortes, tão seguros, que não via quem poderia mudá-los, o que me levou a afirmar que ficariam no poder por 20 anos. Ficaram 21 anos. Nosso filho mais velho, quando saímos de Brasília, era adolescente. Os filhos choravam de tristeza quando se despediam dos amigos. O mais velho queria ficar, com tios ou amigos e fazer seus estudos lá. Mas a Sônia e eu nos dissemos : « os militares vão ficar no poder por 20 anos. Temos que educar nossos filhos na Europa e só depois voltar ao Brasil». Uma época, havia muitos exilados brasileiros aqui, durante a ditadura. Muitos amigos nossos. Alguns fizeram um erro terrível com os filhos. Ficavam sempre na ilusão de que a ditadura ia acabar em 6 meses e que voltariam logo. Isso pertubou as crianças, que não levavam os estudos a sério. Temos grandes amigos universitários com filhos que não estudaram, perturbados pela idéia de que voltariam ao Brasil seis meses depois. Para nós era bastante claro : « vamos ficar aqui até que vocês terminem a universidade ».

(Sônia, a esposa – que é psicanalista - interrompe : Era você quem dizia que ia durar 20 anos. Porque eu mantinha os livros em caixotes, pensando que íamos voltar para o Brasil em 2 meses.)

Passages de Paris – No Brasil, houve alguma sensação de ameaça à sua vida ?

Professor Roberto Salmeron - Não houve. Nunca fui preso, nem ameaçado. No meio de toda aquela crise das universidades, fui procurado por militares de auto escalão, que me pediram para não sair da universidade e afirmavam que poderia continuar o meu trabalho como quizesse. Disse-lhes que aceitaria, com uma condição : « que todos os professores demitidos fossem readmitidos ». Como isso não foi possível, não fiquei.

Passages de Paris – Como o nosso dossiê é sobre a ciência ontem, hoje e amanhã, gostaríamos que falasse um pouco sobre o que está se passando hoje no Brasil.

Professor Roberto Salmeron – Falo sobre a ciência hoje no Brasil com muito prazer, porque todas as ciências tem tido ali um desenvolvimento extraordinário. Pouca gente tem consciência disso, mas há uma qualidade no brasileiro, que percebi quando era muito jovem ainda. Dizia aos amigos, que pensavam que eu era muito otimista : « o brasileiro tem muita iniciativa ». Muita iniciativa. Como povo. Como coletividade. Apesar dos tipos de governos catastróficos que temos tido, o país progride graças à iniciativa individual das pessoas, que fazem tudo, no ensino, nas indústrias, no comércio. O país é mal estruturado, mas o brasileiro tem muita iniciativa. Essa capacidade de iniciativa do brasileiro fez avançar a ciência do Brasil, na minha geração, de um modo espetacular. Trabalhei em vários países e lugares, tenho tido contato científico com a maioria dos países do mundo. Não conheço nenhum em que o desenvolvimento científico tenha sido tão grande quanto no Brasil da minha geração. A ciência no Brasil que tem mais tradição é a medicina. Muito desenvolvida, já começou no fim do século XIX. Da medicina, passou-se à biologia. Em física, posso contar o que aconteceu na minha geração. Quando comecei a fazer pesquisa, havia na USP 10 a 15 pesquisadores de nível internacional, todos formados pelo professor Wataghin, metade em física teórica e metade em física experimental. Tornaram-se depois líderes na física brasileira. No Rio de Janeiro, havia 3 ou 4. No Brasil inteiro havia, no máximo, 20 pesquisadores em física. Hoje há 7 mil. Numa geração. É um progresso extraordinário. Nenhum país do mundo teve o número multiplicado por esse fator numa geração apenas, com elementos de tão alto nível em todas as ciências. De maneira que o progresso científico no Brasil tem sido espetacular e continua sendo. Há uma grande diferença no nível de ensino entre as universidades do país, mas isso não impede que em muitas haja grupos de altíssimo nível formando mais gerações.

Passages de Paris – Na área de pesquisa nuclear, o Brasil também apresenta um avanço muito importante, inclusive com a fabricação das centrífugas para enriquecimento de urânio. O senhor conhece esse trabalho ?

Professor Roberto Salmeron – Energia nuclear não é a minha especialidade. Acompanho como físico; aí também o Brasil teve um progresso muito grande. Há uns 30 anos atrás, quando o Brasil comprou os reatores nucleares da Alemanha para Angra, fui contra aquela compra. Fiz conferências a esse respeito, achava que o Brasil deveria começar com um reator pequeno, experimental, para aprender e em seguida fazer os nossos próprios reatores. Já tinhamos pessoal competente para isso há 30 anos atrás. Cheguei a fazer palestras sobre esse assunto na câmara dos deputados. Por acaso, alguns deputados passaram por aqui e conversaram comigo. Quando contei essa idéia, chamaram-me para falar na câmara e no senado. A compra dos reatores foi um erro, mas houve uma geração que aprendeu e agora há um grupo que vai desenvolver os reatores, impulsionado pela Marinha. Acho que tem toda a razão. Queria que o Brasil seguisse o que a Índia fez. A Índia naquela mesma época, há 30 anos atrás, construiu seus próprios reatores experimentais e depois passou para os reatores que produzem energia.

Passages de Paris – Dizia-se que os reatores alemães já eram obsoletos quando foram comprados

Professor Roberto Salmeron – Não. Era o modelo « standard » naquela época. As pessoas tem a mania de pensar que a energia nuclear é uma coisa decidida, mas ela está em constante evolução. Não tendo as suas próprias usinas, o Brasil não acompanha essa evolução. Por exemplo, na questão de segurança, o que se conhece hoje, principalmente aqui na França, não tem nada a ver com a situação de 30 anos atrás.

Passages de Paris – Então a sua posição não é que a energia nuclear seja algo perigoso ou indesejável. Ao contrário, o senhor defende a idéia de que ela seja desenvolvida, mas pelos próprios brasileiros.

Professor Roberto Salmeron – Veja, o país mais avançado do mundo em energia nuclear é a França, porque a energia é do governo, é estatal. A França vai inaugurar a quarta geração de reatores. O sistema de segurança aqui é muito bem pensado. A segurança do reator não é feita pelas pessoas que o constroem. Os que fazem o projeto do reator e os que planejam a segurança são pessoas diferentes, então não há influência. O grande problema é o lixo radioativo, mas já há pesquisas sendo feitas no CERN para fazer o tratamento desse lixo, bombardeando-o com prótons, para destruir o material radioativo e transformá-lo em outros, muito menos radioativos. Isso está em andamento, não se sabe qual vai ser a conclusão, mas há muito trabalho nesse sentido. Além disso, há toda a possibilidade de se fazer um reator com tório, em vez de urânio, que não produz lixo radioativo. Agora, por que não se faz isso ? Porque esses reatores foram desenvolvidos pelas grandes potências, que tem interesse na bomba. Empregando o urânio, é obtido o plutônio utilizado na bomba. No Brasil, há gente interessada em desenvolver o reator a tório, com grandes possibilidades para o futuro. O Brasil e a Índia são os paises que mais possuem tório no mundo. Aqui na França, mais de 80% da energia elétrica depende da energia nuclear. No inverno, a proporção chega a mais de 90%.

Passages de Paris – Aqui não se conta com os recursos hidrográficos que tem o Brasil ; se houvesse lá essa possibilidade de usar uma energia nuclear « limpa », seria ainda assim necessário ?

Professor Roberto Salmeron – Há lugares no Brasil onde não há quedas d’água, como no Nordeste. Chegamos do Brasil há 3 dias atrás e lá circulava a notícia de que o governo tinha decidido fazer centrais elétricas com petróleo. O que é um absurdo. O petróleo tem um preço exorbitante e é o que mais polui. A atual Chefe da Casa Civil, que era Ministra das Minas e Energia1 é contra a energia nuclear. Um absurdo.

Passages de Paris – O senhor mencionou o Nordeste ; gostaríamos que nos falasse sobre a descentralização da pesquisa no Brasil, a possibilidade de sair um pouco do eixo Rio-SP, Brasília, Sul. Como o senhor vê essa questão da pesquisa no Norte-Nordeste ? Está crescendo, tendo incentivos ?

Professor Roberto Salmeron – Isso é muito importante. Há muitos campos de pesquisa que podem ser desenvolvidos no Norte e Nordeste, como a eletrônica, a nanotecnologia, que é uma tecnologia moderna para o futuro, a ciência dos materiais. Temos gente muito competente no Brasil, nessas áreas. É importante introduzir isso futuramente no Norte e Nordeste, fazer uma planificação para que lá se estabeleçam grupos estáveis. Por exemplo, em Manaus, há um interesse em desenvolver pesquisa. Seria muito importante que fossem convidadas pessoas que conheçam o assunto e recebam apoio para montar os seus laboratórios lá. De maneira que os jovens desses lugares, indo fazer doutorado no exterior ou em São Paulo, Rio, Porto Alegre etc., tenham depois de uns anos um lugar para se fixarem. O que está acontecendo atualmente é que os jovens vão fazer doutorado em outro lugar e não voltam mais. É preciso uma infra-estrutura local que favoreça a inserção desses jovens. Isso é fundamental e deveria haver um plano nesse sentido, com financiamento garantido por anos, isto é, estabilidade de recursos.

Passages de Paris – Seria importante trabalhar sobre temas ligados à região. No Nordeste, desenvolve-se uma pesquisa sobre biocombustível, porque lá se encontram plantações de mamona, por exemplo.

Professor Roberto Salmeron – No Amazonas, há pessoas interessadas em programas ligados à região amazônica, um tema importante! É preciso um plano de aplicação para criar uma infraestrutura local.

Passages de Paris – Outro exemplo é o sítio do programa espacial brasileiro em Alcântara, que serve para formar um pólo no local. Trabalham com o pessoal do ITA, de São Paulo, mas muita coisa é feita por lá mesmo.

Professor Roberto Salmeron – Isso é muito importante.

Passages de Paris – Para encerrar essa entrevista, como o senhor vê o futuro da ciência no Brasil ?

Professor Roberto Salmeron – Sou otimista, porque, como já disse, temos muita gente para trabalhar e muita gente competente em política científica. Por exemplo, na atual diretoria do CNPq, o presidente Erney Camargo é um pesquisador de grande experiência internacional, com uma visão muito boa do futuro. Da mesma maneira, nas várias fundações de apoio à pesquisa, FAPESP, FAPERJ, há gente que realmente está planejando o futuro, tentando estimular a pesquisa nas indústrias, que é o nosso ponto fraco. Por exemplo, se você considerar a França, os EUA, a grande maioria dos físicos vão trabalhar em indústrias. Uma minoria permanece nas universidades, na carreira acadêmica. No Brasil, dá-se o oposto. Apenas 4 ou 5% dos físicos vão para a indústria. Isso tem que ser invertido. O CNPq, a FAPESP e a FAPERJ (cito esses 3 porque os conheço, mas não quer dizer que sejam os únicos) levam esse problema muito a sério e desenvolvem programas nesse sentido.

Passages de Paris – Quando se pensa a questão do desenvolvimento brasileiro, a parte científica « dura », por assim dizer, parece ter a tarefa mais importante. Haveria lugar para as ciências humanas nesse contexto ?

Professor Roberto Salmeron – Também em ciências humanas o Brasil tem um progresso considerável. Tome por exemplo o que se fazia há 40, 50 anos atrás. Havia como estrutura a USP, na área de letras, iniciada com os franceses que foram para lá e, além disso, algumas comunidades isoladas no Rio e no Nordeste. Agora, há uma estrutura em muitos lugares do país. É um grande progresso. Nosso ponto fraco ainda é a educação mais elementar, uma das mais deficientes do mundo e também os cursos fundamental e médio, com níveis dos mais baixos. Isso precisa ser resolvido, porque interfere no nível das universidades. Se as universidades fizerem todas exames vestibulares rigorosos, não preencherão as vagas. É um problema muito grave que temos.

Passages de Paris – Falando nisso, o senhor concorda com uma política de cotas ?

Professor Roberto Salmeron – Creio que todo mundo está de acordo, os jovens de famílias desfavorecidas precisam ser amparados. Não há necessidade de discussão sobre isso. Agora, é necessário decidir como ampará-los. Não penso que o sistema de cotas seja a melhor solução. Até considero degradante dizer a um jovem que terá direito a um processo diferenciado por causa da cor da pele ou da origem da família. O que tem que ser feito é dar a esses jovens condições para se desenvolverem, oferecendo cursos gratuitos de formação para que adquiram a base. Esse é o caminho a ser seguido. Não é fácil, mas é muito mais justo e também mais digno. A Escola Politécnica de São Paulo vem realizando, há muitos anos, cursos gratuitos para estudantes que queiram preparar-se para o vestibular, dados por jovens e entusiastas professores da Politécnica. Penso ser esse o caminho correto. É uma ofensa dizer a um jovem negro, pardo ou descendente de índio que será aceito por causa da cor da pele ou da origem. Não tenho dúvida nenhuma que esses jovens vão guardar isso como um estigma para o resto da vida. Nunca saberá se obteve o título de médico, por exemplo, por ser competente ou porque recebeu um favor. O projeto de lei da reforma universitária já está no Congresso. Não foi discutido ainda, devido à situação de anormalidade que estamos tendo por lá. Mas acho isso perigosíssimo, porque se for estipulado por lei, quando poderá mudar ? Será preciso uma outra lei, que sairá daqui a 30 ou 50 anos.

Passages de Paris – Em outros países, onde já existe esse sistema de cotas, podem-se ver os resultados ?

Professor Roberto Salmeron – Pediram-me para escrever algo sobre isso no jornal da UnB, há vários anos atrás. Na minha geração, vi três casos de países que implantaram o sistema de cotas e não funcionou. O primeiro foi a China. Quando foi feita a Revolução Cultural, deu-se prioridade nas universidades para soldados, operários e camponeses. Foi catastrófico. Catastrófico para os proprios operários, que não conseguiam passar nos cursos. Foi um fracasso geral, individual e coletivo. Estive na China logo depois de acabada a Revolução Cultural, conversando com professores universitários que, nesse programa, tinham sido deslocados para trabalhar com os camponeses na universidade por vários anos. Um professor de física contou-me que estudava inglês clandestinamente. Tinha um amigo professor de inglês e reuniam-se à noite na casa de um deles para estudar, porque era proibido. Outro país que fracassou foi a Índia. Sônia e eu estivemos na Índia, há uns 15 ou 16 anos, onde fui dar um curso. Um dia, vejo no jornal, escrito em inglês, que tinha ocorrido uma luta de estudantes com a polícia. O governo tinha feito uma lei que dava prioridade aos jovens das castas « inferiores ». Lá, por exemplo, um jovem de uma casta não pode casar-se com um jovem de outra. Alguns empregos são reservados a certas castas. O que aconteceu é que não havia um número de jovens suficiente para ir à universidade. Sobravam vagas. O protesto era dos estudantes das castas « superiores », que não entravam na universidade mesmo com vagas sobrando, porque estas eram reservadas às castas « inferiores ». O sistema teve que ser abandonado. Nos EUA, esse privilégio dado aos negros funcionou por alguns anos e depois foi abandonado. Os negros tiveram maior benefício com a lei que financia filmes com artistas negros, do que com a lei de seleção positiva. Mas o racismo depende da educação. Vi várias entrevistas com artistas negros americanos dizendo que trabalham num filme com artistas brancos, mas quando termina o trabalho, os negros vão para a sociedade dos negros e os brancos vão para a sociedade dos brancos. Nao há mistura fora do trabalho. É uma questão de educação.

Passages de Paris – O que se pode dizer aos colegas que estão vindo para cá ?

Professor Roberto Salmeron - Examinando objetivamente, nas áreas que conheço, física, matemática, engenharia, se considerar a média, o nível aqui na França é bem mais elevado que no Brasil. Os jovens que vem para cá tem um grande valor, porque trabalham muito, levam muito a sério e acabam se impondo. Acabam vencendo e chegando no nível dos franceses. O que tem chamado a atenção dos colegas, na universidade brasileira, é a necessidade de aumentar o nível dos cursos básicos. Na verdade, muitos professores não são sensíveis a isso. Estou aposentado da Ecole Polytechnique, mas continuo freqüentando o laboratório, quando não estou trabalhando em casa, escrevendo. Acompanho o que está acontecendo. Trabalhei lá por 25 anos, conheço bem essa parte de ensino aqui na França. A Ecole Polytechnique, há alguns anos atrás, inaugurou uns acordos com outros países e perguntaram-me se trabalharia para estabelecer um acordo com o Brasil. Fizemos um então um acordo com a USP. Esta tem dois campus, o de São Paulo e o de São Carlos. A cidade de São Carlos é uma exceção no Brasil : é uma verdadeira cidade universitária. Possui menos de 200 mil habitantes e duas universidades : o campus da USP e o da UF de São Carlos. Por esse acordo com a Polytechnique, as universidades brasileiras enviam jovens para seguirem um curso de graduação - e não pós-graduação. A Polytechnique e as escolas de engenharia na França seguem o sistema de grandes écoles. Os alunos fazem dois anos de um curso muito intensivo e entram na Polytechnique no que seria equivalente a um terceiro ano de universidade no Brasil. Os alunos brasileiros devem terminar pelo menos dois anos de faculdade. Na USP, 60 ou 70 se apresentam e metade é selecionada. São examinados depois por uma comissao de 6 professores da Polytechnique, que selecionam 10 a 15. Quando vem para cá, sofrem muito com a diferença de nível, especialmente em matemática, mas com muito trabalho acabam se recuperando. Duas turmas já se formaram aqui e está sendo uma boa experiência. Mas noto que há poucos professores sensíveis a esse programa. Esses jovens abrem seus horizontes. Vivem num mundo que não conheciam. Para começar, moram na Polytechnique em alojamentos individuais. Nesse programa internacional, desenvolvem contatos com jovens do mundo inteiro e não só da França. Meu objetivo é que tomemos esse exemplo para elevar o nível dos cursos básicos no Brasil. Alguns professores estão começando a notar isso. Por exemplo, na UFRJ, os professores das matérias básicas já estão se perguntando sobre como poderiam elevar o nível do curso. Mas de maneira geral, ainda é dificil sensibilizar os professores de lá.

1 N.R. : Dilma Roussef.